A Pichação e o Grafitagem trilharam caminhos diferentes, mas continuam lançando moda do outro lado do muro. Entenda como a sociedade lida com essas manifestações.
Por Karina Chimenti
Nas últimas décadas as intervenções urbanas como o grafite conquistaram um certo respeito e espaço na sociedade. O que antes era considerado apenas como ato de vandalismo agora é reconhecido como arte e já possui uma legião de fãs e praticantes. Essa arte, que possui indícios de sua prática datados desde o Império Romano, pode até ser um reflexo dos desenhos realizados nas cavernas pelos homens primatas. Tal manifestação artística se desenvolveu fortemente nas ruas de Nova York, onde possui uma ligação íntima com o hip hop. Foi para a Europa na década de 60, usada como ferramenta de protesto daqueles que não concordavam com a sociedade tradicional, e chegou ao Brasil na década de 70, como uma importante arma política contra o regime militar.
Porém, essa prática ainda hoje é questionada por parcela da sociedade. Muito se discute sobre o grafite e a pichação. Até onde vão os limites da arte e em que ponto ela deixa de ser uma forma de manifestação legal e passa a ser considerada um ato de vandalismo?
Pichação x Grafitagem no ordenamento jurídico
Para entender essa questão é preciso entender no que o grafite e a pichação diferem-se.
A pichação possui uma definição simples e muito parecida com a do grafite, já que ambas são descritas como inscrições feitas em parede. No entanto, essas manifestações diferem por suas formas e modo de execução.
No caso da pichação, ela normalmente é feita em local não autorizado, de forma rápida, sem técnica artista, visando confrontar a sociedade, seja por meio de frases de protesto - que até podem ter algum significado de cunho político, ou simplesmente para deixar uma marca, seja o nome, o apelido ou qualquer outro tipo de assinatura que identifique o pichador .
Em São Paulo o estilo de pichação mais encontrado é o “Tag Reto”, ou seja, assinaturas feitas com letras retas, alongadas e pontiagudas, que tentam ocupar o maior espaço possível na parede ou muro de edifícios, viadutos, monumentos ou qualquer outra estrutura com visibilidade pública. Normalmente são feitas com lata de spray ou rolo de tinta e não tem grande valor estético. Essa forma de pichação é constantemente repudiada pela sociedade por seu aspecto agressivo e degradante da paisagem da cidade.
Já o grafite costuma ser mais elaborado. São inscrições ou desenhos feitos com técnicas e conceitos estéticos e é mais reconhecido como forma de expressão artística, e pode utilizar uma infinidade de materiais como spray, latas de tinta, stêncil, giz entre outros. Seus artistas podem abordam questões sobre crítica social e política, mas sempre usam um conceito artístico em sua execução. Normalmente é feito com consentimento do proprietário do muro ou de um órgão público e, em alguns casos, pode demorar dias para ficar pronto.
Das ruas para as campanhas publicitárias, hoje o grafite já compõe o currículo de muitos designers. Novas técnicas têm sido criadas, ganhando espaço e despertando a curiosidade da população, e os artistas tem recebido cada vez mais convites de empresas para estamparem os desenhos em suas fachadas, como a do badalado restaurante japonês Original Shundi, no Itam Bibi.
No Brasil não há nada no ordenamento jurídico que diferencie o ato de pichação do grafite, portanto quando seus praticantes são pegos em flagrante, ambos podem acabar enquadrados no artigo 65 da Lei de Crimes Ambientais, por prática de ato contra ordenamento público, com pena de três meses a um ano de detenção e multa. Ainda, segundo a Lei 9.605/98, aquele que “pichar”, “grafitar” ou por outro meio “conspurcar edificação ou monumento urbano” terá a pena mínima agravada para seis meses, caso o ato seja praticado em depreciação de monumento ou bens tombados em razão do seu valor artístico, arqueológico ou histórico.
O SolteaGravata.com consultou o especialista Roberto Garcia, professor de Direito Penal na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas – Direito GV, para compreender como se dá a relação do grafite com o sistema normativo brasileiro. Segundo o professor, “a Lei de crimes ambientais e de destruição de patrimônio pode levar a interpretações equivocadas quando falamos do grafite. Toda conduta social tem lugar e hora para ser realizada. O grafite autorizado não pode ser enquadrado dentro da lei. Por exemplo, o túnel da Dr. Arnaldo quando foi pintado por grafiteiros com autorização da prefeitura.”
Na opinião de Garcia, a lei que trata sobre o grafite é inconveniente, pois “o direito penal deveria tratar de outros assuntos, já que o Estado deveria se preocupar com assuntos mais relevantes em vez de criar uma repressão penal a esse tipo de fato. Mas já que a lei existe, ela deve ser cumprida”.
O dilema é que ao tentar evitar a poluição visual dos centros urbanos, a legislação ignora a conotação artística que está intrínseca na arte realizada, causando revolta em muitos de seus adeptos.
Grafitagem no Brasil e no Mundo
Um bom exemplo do uso de novas técnicas que evitam a poluição visual é o Grafite 3D. Essa vertente do grafite pode ser realizada no chão ou em paredes com o uso de um tipo de giz que dissolve em contato com a água. Apesar de não durar tanto quanto o grafite em spray ele facilmente impressiona pelo realismo e consegue a atenção desejada. Kurt Wenner, Eduardo Relero e Tracy Lee Stum são alguns dos principais artistas desta categoria.
Atualmente, os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, mais conhecidos como os Gêmeos, fazem parte do grupo de grafiteiros brasileiros mais famosos, tendo iniciado seu trabalho em 1987. Foram responsáveis por desenvolver técnicas que definiram um estilo no grafite brasileiro. Os desenhos com temas voltados a crítica social e política tornaram suas obras requisitadas em várias partes do mundo.
Outra dupla que também faz muito sucesso lá fora e aqui no Brasil é a “6emeia“, formada por Anderson Augusto (SÃO) e Leonardo Delafuente (Delafuente), moradores do bairro da Barra Funda, que desenvolveram uma técnica muito interessante de grafitagem em bueiros, postes, tampas de esgoto e demais objetos do cenário urbano. A proposta de trabalho da dupla é unir arte com as coisas simples do nosso cotidiado. Para eles, até o mais esquecido e indiferente objeto, se olhado com cuidado, pode exalar arte.
Já na Venezuela é um bom exemplo de como o grafite pode compor a história de um país sem agredi-lo visualmente. É muito fácil identificar as manifestações culturais por meio do grafite nos muros da capital Caracas. Bem diferente do que estamos acostumados no Brasil, o estilo adotado por seus artistas é um tanto curioso, já que as paredes do centro da cidade se parecem muito mais com livros abertos, onde é possivel conhecer a história da Venezuela pelos feitos de seu libertador Simon Bolívar. Mensagens de garra, conquista e agradecimentos inundam os muros da cidade perto do metrô, próximo do Palácio Presidencial ou da Assembléia Legislativa e não se vê uma única pichação nos monumentos históricos.
Talvez para que o grafite seja aceito de vez no Brasil, será necessário adotar uma leitura diferente sobre o significado do grafite no âmbito cultural brasileiro para que essa expressão artística não seja mais considerada vandalismo. A mudança de comportamento deve partir da sociedade e do governo em prol da aceitação dessa arte urbana.
Ação Educativa
Rodrigo Ramos Pinto Medeiros, 30 anos, é curador da exposição comemorativa “27 de Março Dia do Grafite na Ação Educativa” e coordenador de arte e educação desde 2008 na Fundação Casa. Sua primeira obra foi aos 19 anos de idade, em um muro de uma cidade no interior de São Paulo, onde grafitou com stêncil a imagem de Dona Ivone Lara, personalidade do Samba, aproveitando a discussão sobre a questão da consciência negra na época.
Na opinião de Rodrigo, “a intervenção do grafite vai sempre existir, independente de ser legalizado ou não. É importante começarmos a pensar a cidade como um palco de diversas dimensões plásticas capaz de dialogar com o público que a observa. A lei da cidade limpa, implementada pelo Kassab, não investe na proposta visual da cidade. A cidade está anêmica, sem cor.”
Poucas pessoas sabem da existência da Lei 13.903/2004, que consagra o dia 27 de março, como o dia do Grafite. No entanto, ainda existem iniciativas locais para lembrar deste dia, onde se destaca a Ação Educativa, que elaborou uma exposição especial para comemorar a data. Ao levar o grafite para um espaço fechado, o projeto traz reflexões fundamentais ligadas ao reconhecimento do grafiteiro como um artista, mostrando que nossa legislação poderia amparar melhor essa manifestação.
Ao mesmo tempo em que o grafiteiro passa a entender que apesar da sua arte ser de rua, ela pode sim ser exposta em uma tela dentro de uma galeria e gerar bons frutos. A população que manifesta interesse sobre a arte exposta nessas galerias começa a enxergar o grafite como uma arte autêntica e não como um mero ato de vandalismo.
SERVIÇO
Horário: das 10h às 20h, de segunda a sexta-feira, e das 10h às 16h aos sábados.
Data: até 24 de Maio. Endereço: Rua General Jardim, 660, Vila Buarque, São Paulo, Fone (11) 3151-2333
Entrada gratuita.
São 26 obras em tela e outros suportes.
Curadoria: Binho, Cedeca Interlagos, Celso Gitahy, Eymard Ribeiro, Júlio Dojcsar, Thiago Vaz, Tikka e Tota.
URL curta: http://solteagravata.com/?p=2008
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