sábado, 26 de fevereiro de 2011

Literatura

Profissão: escritor

por Mr. Fork - 25 de fevereiro de 2011
Ilustração: André HellmeisterIlustração: André Hellmeister
Escrever o primeiro rascunho com o coração, reescrever com a cabeça. São muitos os conselhos que podem ser encontrados nos "livros sobre livros". O leitor não se contenta em ler a obra-prima e sai em busca de sua fórmula secreta. Talvez imagine que ao mimetizar os seus cacoetes também ele poderá abrir um canal de comunicação com a musa. Também ele será capaz de criar coisas belas.

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Na livraria El Ateneo, em Buenos Aires, comprei um livrinho interessante chamado "Escribir es un Tic", do italiano Francesco Piccolo. É uma coleção de anedotas sobre os métodos e hábitos de diversos escritores consagrados, de Balzac a Thomas Mann. Em geral, o que espanta no livro não são as manias mais extravagantes, mas o reconhecimento que ser escritor é uma profissão como outra qualquer, que precisa de disciplina e horas de trabalho para ser bem executada. A taça de vinho, a fumaça de cigarro e as madrugadas insones são exceção e não regra.

"O que alimenta não são as grandes cenas nem as grandes orgias e sim o regime contínuo, sustentado. Trabalhe pacientemente todos os dias pelo mesmo número de horas. Acostume-se a levar uma vida tranquila e estudiosa. Desconfie de tudo que pareça inpiração. Inspiração não substitui o trabalho pesado e nada mais é que uma exaltação fictícia e fantasiosa." Esses são conselhos de Flaubert -- famoso workaholic que dizia escrever por mais de quinze horas diárias -- em uma de suas cartas para a amante Louise Colet. Sartre produzia nada menos que 40 ou 50 páginas diárias e Michael Crichton não consegue dormir tranquilo sem antes martelar seis mil palavras em seu computador.

O livro também conta sobre os escritores que têm outra profissão, como Primo Levi, que trabalhou a vida inteira na indústria química, ou os poetas T.S. Eliot e Fernando Pessoa, que viveram rotinas parecidas (muitas vezes angustiantes) em escritórios, editoras e bancos, e precisavam se contentar com o raro tempo livre para se dedicar à poesia. "Não ter tempo livre significa ter que me concentrar mais. No meu caso, ter que trabalhar evitou que eu escrevesse demais", disse Eliot.

Mesmo tentanto forjar a imagem de escritores-artesãos, o livro termina com uma nota mais leve. Diz que todo escritor é um grande procrastinador. Italo Calvino não recusava nenhum pedido de sua mulher para executar tarefas em casa e não começava a escrever sem antes ler dois ou três jornais de cabo a rabo, tudo para evitar se colocar diante da máquina de escrever e do papel em branco. Henry Miller saía para caminhar quando ficava sem ideias ou sem rumo. Dizia que tinhas as melhores ideias caminhando e que desejaria ser milionário para que pudesse andar e ditar seus textos para uma secretária. Disciplina e perda de tempo, duas forças opostas, que levam a um mesmo lugar. Pessoas que moram na beira do mar geralmente deixam de ouvir o barulho das ondas. O papel do escritor, independentemente do método, é "nos fazer ouvir as ondas", nas palavras de Joseph Conrad.

*James Scavone é anglo-brasileiro com sobrenome italiano, sócio e diretor de criação da agência Salve e também mantém uma coluna semanal no jornal "Placar". Anda de bicicleta e adora balas de goma. Como todo redator publicitário que se preze, tem um livro que não sai da gaveta.



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