quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cultura






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A periferia de um modo geral é conhecida pelo noticiário criminal. Apesar do esforço do Datena, ainda conseguimos mostrar, além de tudo, a sobrevivência e muita arte. Quem mora aqui sabe que tem algo a mais do que os ônibus lotados, os barracos não rebocados, o aposentado recolhendo papelão, os motoboys voltando para casa, jovens com pipas nas mãos, donas de casa trazendo sacolas do mercado.






A banca de jornal vende revista Caras, enchemos os olhos com uma mídia que não nos representa, mas, no campo de futebol, o menino sem camisa joga num time de várzea, chegando em casa todo suado, abrindo a geladeira e não vendo nada pra comer. Então ele vai pra outro cômodo daquele barraco, pega suas latas de spray. Ele não tem espaço para expor seus trabalhos, ele não terá catálogo, nem sua obra renderia um centavo – talvez um tapa no rosto e as tintas usadas no próprio corpo, com um policial ameaçando de novo –, mas o desenho no muro é finalizado, ele volta pro mesmo barraco, só que animado para um novo recomeço.






Em outra favela, o poeta trabalha até tarde para depois ir ao bar arrumar as cadeiras, preparar o som para, logo à noite, começar o sarau. Toda semana tem no mínimo dois saraus, todo mês tem lançamento de livros aqui. Tudo bem que alguns são artesanais, acabamento precário e, muitas vezes, não têm tiragem superior a 100 exemplares, mas eles se contrapõem ao livro que o projeto cultural do banco faz com o nosso imposto: livros de capa dura, páginas espessas, cores em alta definição, livros pesados e desajeitados, que trazem, em edições caras, páginas especializadas em vinhos. Tirar verba do transporte, da saúde, da educação, pra dar um livro tão grande a algum cliente para que se masturbe mentalmente deve valer alguma vaga num possível inferno, pode ser até o de Dante.











A nossa vida não tem de ser uma filial do Afeganistão; se tiver de ter uma guerra, vamos declarar essa batalha contra a falta de informação, contra o preconceito e a ignorância, que matam nosso povo todo dia, seja não lavando as mãos antes de comer ou contribuindo para uma previdência social falida.






Pra tudo isso ter sentido, precisamos do senso crítico, e isso pode ser obtido pela arte; mas vital e honesta, de rua, sem estereótipos e mesmo sem diplomas. A arte não está só na reciclagem; hoje, muitos já fazem permacultura, sem mesmo saber o que significa a palavra. Aqui é onde resíduos são aproveitados, o sapateiro faz arte em sua pequena loja cheia de solas velhas, o marceneiro criando sofá da madeira jogada em frente a sua casa; entre vielas e escadões, gritam os grafites, cenas do dia a dia que retratam o próprio artista e as pessoas que o cercam, sua própria visão da realidade.






O artista vive uma coletividade carente de recursos, mas tem o principal: a habilidade. E ela é exercida todos os dias, pois ele vive em contato com pessoas da sua mesma origem; muitas vezes, a dor que ele usa é de uma observação ou mesmo de uma vivência própria.






Alguns dizem estar um passo à frente e, por comodismo, não se arriscam mais a fazer algo original, e seus quadros, textos, obras, parecem ter saído de um molde. E a universidade não o é? Falta de imaginação; a tela, onde não cabiam ideias, agora é vazia, apenas a vivência prática permite a autenticidade, ou esse texto mesmo seria sem nenhuma palavra. ©










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