O Japão foi um dos poucos países do mundo a conseguir construir uma indústria de animação não só desenvolvida como também auto-suficiente. Nessas terras distantes, a arte de animar acabou incorporando características muito próprias, surgindo assim o que conhecemos como Anime. Existe uma falsa ideia de que o mundo poder ser entendido de forma homogênea. Isso cai por terra quando nos damos conta da riqueza da linguagem animada japonesa e aceitamos que existem muitos outros jeitos e freqüências de pensamento para além do nosso modelo ocidental. Em ordem de aumentar cada vez mais o intercâmbio com os nossos “outros” animados, o Anima Mundi e o Instituto Japão Pop BR trouxeram um dos maiores expoentes da animação japonesa, Shinichiro Watanabe.
Acompanhado de seu tradutor, o simpático Jô, Watanabe começou a contar sua história a uma plateia que lotou a Praça Animada e parecia muito ansiosa em saber um pouco mais sobre o diretor. A alegria de estar no Brasil era recíproca. Watanabe contou que desde jovem tem fascínio pelo nosso país e que por muitos anos esperou um convite para visitá-lo, até que se cansou e resolveu vir por conta própria para fazer turismo. Apaixonado pela música brasileira, ele ouve de tudo e incorporou nossa batida a seus filmes ao longo de toda sua carreira. Em um a de suas obras inclusive aparece um trio de senhores idosos, curiosamente chamados de Antonio, Carlos e Jobim.
Watanabe começou aos vinte anos com uma dúvida: cinema ou animação? Ele conta sorrindo que na época havia um boato de que animar era uma atividade bastante fácil, então ele acabou indo pela lei do menor esforço. Daí, saíram uma boa e uma má notícia para Watanabe: ele se encontrou na arte animada e descobriu o seu talento, mas logo logo viu que aquilo não teria nada de fácil. Ele precisaria ralar e muito. Em 1994, entrou para o estúdio Sunrise, como assistente de produção e procurou aprender tudo que podia até ter a oportunidade de co-dirigir o filme Macross Plus, continuação do bem-sucedido Macross. Shinichiro conta que seu papel no filme era dar suporte ao diretor principal, o que o frustrou por diversas vezes, pois o longa não estava se desdobrando como ele desejava. Alguns anos depois, foi recompensado com a liberdade de fazer uma série autoral, sucesso que rapidamente provou o talento de Watanabe: Cowboy Bebop.
Com a série Cowboy Bebop, o artista japonês conseguiu uma síntese de tudo que queria em animação. Spike, o personagem principal da série, é uma espécie de figura ideal que impactou profundamente toda a obra de Watanabe e fez parte da vida de inúmeros fãs ao redor do globo. Ele foi inspirado no ícone Bruce Lee, não só no que tange à luta marcial, mas principalmente à postura filosófica. “A maneira como Spike luta é quase coreografada e isso foi inspirado em Bruce Lee. Fiz meu animadores assistirem seus filmes inúmeras vezes”. A série tornou-se filme em 2001. Atualmente Watanabe está escrevendo o roteiro para transformar Spike em um ser de carne e osso. Keanu Reeves já deu algumas pistas de que gostaria de fazer o papel. Mas Watanabe, com a serenidade oriental esperada, disse que não há nada confirmado, pois em Hollywood é muito fácil que os projetos sejam cancelados. "A únicda coisa que temo é fazer um filme em life action que acabe como Dragonball Z".
Dois anos depois de fazer Cowboy Bebop – O Filme, Watanabe foi convidado a dirigir dois episódios da série cult americana Animatrix, baseada no grande sucesso de ação ao vivo, Matrix. Os curtas Kid’s Story e A Detective Story foram apresentados durante o Papo Animado e Shinichiro contou um pouco sobre seu estilo de animação. Ele disse que é comum ser perguntado se foi usada a técnica da rotoscopia (técnica de animação em que se usa como referência um modelo vivo, frame a frame). Ele contou que algumas cenas com atores reais foram usadas para dar um parâmetro, mas que o desenho é animação desde o princípio. O episódio A Detective Story foi um acidente de percurso. Watanabe foi chamado de última hora para fazer um capítulo a mais, porque os produtores não haviam gostado do trabalho de outro artista escolhido. O curta teve que ser desenvolvido com um terço de tempo disponível para Kid’s Story. Por isso eles tiveram que diminuir as cenas de ação e colocar mais cenas fotográficas, diminuindo o tempo, mas não a qualidade.
Shinichiro nos falou também sobre sua relação com a música. Todos os seus filmes têm trilhas sonoras incríveis, mas o nível de envolvimento do diretor com a questão do som vai muito além de só escolher o que será tocado. Para ele a música é uma questão de conceito e isso o diferencia dos demais diretores. Em Cowboy Bebop, ele introduz a forma de pensar e sentir do próprio gênero Bebop, uma das correntes mais influentes do jazz, cuja essência traz uma aura de liberdade para a música. É um movimento que busca o fim do imperativo da partitura, abrindo caminhos para estilos mais improvisados e soltos. Shinichiro incorporou não só a batida do Bebop em seus filmes, como também adotou esse estilo para pensar e fazer a própria arte. Passou a conduzir seus filmes de forma diferente. Novos artistas eram bem-vindos à orquestra do filme a qualquer hora, de forma que a música se tornava cada vez mais rica pela incorporação de novos elementos. Além de soltar as rédeas da trilha sonora, essa liberdade foi adotada na produção de roteiro. Watanabe pedia dicas de todos, inclusive de pessoas que não tinham nenhuma experiência prévia. Um novato no estúdio acabou se tornando roteirista principal nessa brincadeira.
Logo vemos que Shinichiro é um gênio da composição. Ele une diversos elementos e cria um ambiente em que eles se potencializam mutuamente. O resultado é uma obra rica, variada, mas que não peca por falta de coesão e a harmonia. Isso pode ser sentido claramente na série Samurai Champloo, que estreou na televisão em 2004. Watanabe une a tradição serena dos samurais à modernidade intensa do hip-hop. Nas mãos de outros diretores, o produto dessa soma seria uma obra híbrida, dificilmente capaz de inspirar pela desconexão de seus elementos. Nas mãos de Shinichiro Watanabe, temos um fluxo narrativo integrado que nos mantêm presos do início ao fim. O casamento harmônico entre imagem e música é visceral para tornar isso possível. A música torna-se elemento narrativo contundente em que o fluxo de sua intensidade e ritmo tem como eixo de gravidade o momento dramático. O próprio nome da série faz referência a esse potencial integrador. Champloo é um prato típico de uma ilha no sul do Japão. É fácil de fazer: basta juntar o que você quiser e fritar! Essa é a essência da arte de Shinichiro: a união de todos os elementos pelos quais é apaixonado, equilibrando ingredientes para alcançar o melhor sabor possível. "Fiz um champloo de desenho animado".
Atualmente Shinichiro está trabalhando como produtor musical na série Michiko e Hatchin, ambientada no Brasil. Ele contou que quando soube que a história se passaria aqui, se ofereceu para trabalhar na trilha sonora. Sua função é reunir músicas para cada parte da trama e trabalhar em colaboração com o diretor de animação para entender o impacto da música em cada cena, procurando que imagem e som se integrem. Muitas músicas da série foram encomendadas de um compositor carioca. Shinichiro disse torcer para que alguma televisão brasileira se interesse pelo programa.
Watanabe apresentou por último algo diferente de tudo que já tinha feito. “Nas minhas histórias existe muita matança. Depois de fazer uma auto-reflexão resolvi que queria fazer um filme em que ninguém morresse”. Daí surgiu o doce e delicado curta Baby Blue. Ficou claro que Shinichiro Watanabe é um artista de várias facetas. Mas sua especialidade reside justamente na habilidade de trabalhar os mais diferentes elementos não apenas somando, mas integrando. No resultado, vemos todos os ingredientes iniciais e algo mais. É nessa mais-valia que reside a mágica e o brilho de Shinichiro Watanabe.
era pra eu ter ido la, mas waldo ficou meio assim de ir no centro as 21h da noite , e acabamos nao indo ;o
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