quinta-feira, 31 de março de 2011

Mario Quintana

MÁRIO QUINTANA / Natureza


                              NATUREZA
                                                      Mário Quintana

        Não, nada de piqueniques! O encanto das paisagens numa tela é que elas não têm cheiro, nem temperaturas, nem ruídos, nem mosquitos. Nada, enfim, do que acontece nas desconfortáveis paisagens reais. Quando estive no Rio, o P.M.C.¹, meu colega, amigo e editor, se ofereceu para “uma tarde destas” me mostrar o Rio. Agradeci-lhe horrorizado: 

        - Não, muito obrigado, Paulinho! Eu sou evoluído: o que mais me agrada no Rio são os túneis... 

        Creio que ele suspirou de alívio.

        Pois bem que ele deveria saber, como poeta de verdade, que nunca se deve ser apresentado a uma paisagem. É uma situação embaraçosa. Nem ao menos se lhe pode dizer : “Muito prazer em conhecê-la, minha senhora!”

        Esse não pode ser um conhecimento voluntário, aprazado, mas uma lenta osmose inconsciente, de modo que no fim se fique pertencendo à paisagem, e vice-versa.

        Não se pode conhecer nada num minuto e só por isso é que os turistas não conhecem o mundo.

        Jamais acreditei em observação direta, principalmente quanto à criação poética. Tanto assim que quase dei a um de meus livros o belo título de “O Viajante Adormecido”. Só não o fiz porque a Gabriela me observou que o poderiam apelidar de “O Leitor Adormecido”...

        Fraqueza minha! E por que não o “leitor adormecido” mesmo? A comunicação poética, no seu mais profundo sentido, não é acaso subliminar? Os poetas que dizem tudo acabam não dizendo nada. Porque a poesia não é apenas a verdade... É muito mais!

        A Poesia é a invenção da Verdade.




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       O poema em prosa, Natureza, de Mário Quintana ((1906-1994), foi extraído de seu livro Na Volta da Esquina, Porto Alegre, RBS/Editora Globo, 1979, p.45-46.

         [Para conhecer um pouco da vida e da obra o autor, clique em MÁRIO QUINTANA].
créditos, link aqui.





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