sábado, 26 de março de 2011

Cineclube Ciência em foco

O que há por trás das lentes

Conheça um pouco mais do palestrante do Ciência em Foco de 2 de abril, o professor de filosofia da UFF Patrick Pessoa.




"Blow up é um exemplo maravilhoso do modo como o contato entre cinema e literatura amplifica a riqueza de ambos. Depois de se ver o filme de Antonioni, o conto de Cortázar fica muito melhor".



1) Fale um pouco da sua trajetória.

Fiz graduação, mestrado e doutorado em Filosofia na UFRJ, com dois estágios de pesquisa na Alemanha, o primeiro em Freiburg (1996-1997) e o segundo em Berlim (2004-2005). Desde 2009, sou professor do Departamento de Filosofia da UFF e a partir deste ano serei também professor do recém-criado Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFF, como integrante de uma linha de pesquisa em Estética e Filosofia da Arte. Desde cedo, aliás, me interessei pelas questões estéticas. Comecei pensando as relações entre arte e filosofia, tendo como ponto de partida a literatura. Este primeiro ciclo do meu trabalho se encerrou no doutorado, dedicado a uma interpretação filosófica das "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Essa pesquisa deu origem ao meu primeiro livro: "A segunda vida de Brás Cubas: A filosofia da arte de Machado de Assis", publicado pela Editora Rocco em 2008 e finalista do Prêmio Jabuti de Crítica e Teoria Literária. Ao mesmo tempo em que pensava a relação arte-filosofia na literatura, comecei a dar uma série de cursos sobre essa mesma relação tendo como base o cinema. O primeiro curso que dei sobre o assunto ocorreu em 2001. Este ano, dez anos depois, será publicado pela Editora Autêntica o livro com os resultados dessa longa pesquisa, "A História da Filosofia em 40 Filmes", que escrevi em parceria com o Alexandre Costa. Desde o pós-doutorado, que realizei na PUC-RJ em 2008-2009, estou construindo um terceiro ciclo para o meu trabalho, estudando a obra de Bertolt Brecht e as relações entre teatro e filosofia.

2) Por que falar a partir do cinema?

Durante dez anos, dei aula no Ensino Médio. O cinema, a princípio, me pareceu um suporte privilegiado para abordar questões filosóficas com os alunos de que dispunha, muito mais familiarizados com a linguagem cinematográfica do que com a literária. À medida que o meu trabalho avançou, porém, tornou-se evidente para mim que alguns dos principais clássicos da história do cinema não apenas ilustravam conceitos ou correntes filosóficas de forma acessível, mas exigiam uma reformulação de alguns dos principais pressupostos de uma crítica filosófica de obras de arte em geral, que historicamente foram forjados tendo como base a literatura.
3) Sua trajetória de pesquisa envereda pelo diálogo e pelas contaminações que se produzem entre arte e filosofia, seja com a dramaturgia de Brecht ou com a literatura de Machado de Assis, e atualmente com o cinema. De que modo as diversas expressões artísticas, e seus diferentes suportes, nos permitem ativar e ampliar questões filosóficas?

No século XX, com a crise da metafísica e a tarefa de se forjar uma espécie de "ciência do singular", no âmbito da qual as diferenças não fossem apagadas em prol de um apreço desmedido a identidades fixas e estáveis, a filosofia se apromixou muito da crítica de arte. Filósofos tão distintos quanto Heidegger, Deleuze, Adorno, Benjamin, Foucault, Merleau-Ponty e Derrida escreveram ensaios importantes sobre obras de arte dos mais distintos registros. A análise imanente de obras de arte singulares é um ponto de partida muito fértil para a construção do que se poderia chamar de "filosofia pós-metafísica".
4) O filme Blowup nos apresenta a obsessão de um fotógrafo para descobrir se fotografou acidentalmente um assassinato. Pode-se dizer que a fotografia, técnica crucial para a trama do filme de Antonioni, colocou um problema - assim como o cinema - dirigido à nossa forma de perceber o mundo?
O mito fundador da fotografia é o de uma reprodução integral da realidade sem a interferência da subjetividade humana, o qual ganha nova força com a invenção dos irmãos Lumière. A fotografia e posteriormente o cinema surgem prometendo uma reprodução absolutamente objetiva da realidade. O filme de Antonioni problematiza essa vocação originária da fotografia através da formulação de uma das questões mais fundamentais da história da filosofia: aquela que investiga as complexas relações entre realidade e representação, verdade e aparência, interpretação e ilusão.
5) Antonioni adaptou, em Blowup, o conto do escritor argentino Julio Cortázar As babas do diabo. Existe alguma continuidade ou descontinuidade inserida nesta adaptação? Ou seja: de que forma esta proposta, que pressupõe a tradução das particularidades artísticas da literatura para o cinema, contribui para enfatizar as questões em jogo?

Blow up é um exemplo maravilhoso do modo como o contato entre cinema e literatura amplifica a riqueza de ambos. Depois de se ver o filme de Antonioni, o conto de Cortázar fica muito melhor. Depois de se ler "As babas do diabo", vê-se muito melhor o filme de Antonioni. Assim como o problema da fotografia é o de traduzir as coisas em imagens que lhes sejam de algum modo fiéis, o problema de uma adaptação cinematográfica de uma obra literária também é o problema da tradução. Tentarei mostrar na minha palestra como a questão da tradução permite articular os dilemas de David Hemmings, o fotógrafo de Blow up, e também os de Michelangelo Antonioni, que fotografa o fotógrafo. Se nos recordamos que o personagem de Hemmings é baseado no conto de Cortázar, cujo protagonista é tradutor e fotógrafo, a ênfase na questão da tradução e de sua relação com a fotografia fica justificada.
6) Gostaria de fazer um convite para as pessoas assistirem à sua palestra no próximo Ciência em Foco?

Benjamin dizia que uma das grandes forças do cinema era o fato de depender de uma recepção coletiva. Ao contrário da pintura ou mesmo da literatura, calcadas numa fruição individual, com tendências auratizantes, no cinema as reações da plateia (pensada como um coletivo que transcende a soma das individualidades de seus integrantes) interferem necessariamente na construção do sentido da obra. Uma sala vazia, sob essa ótica, não permite a realização das potencialidades mais radicais do cinema. Assim, quem ama o cinema e quer colaborar para a sua sobrevivência nesses tempos tão difícieis de uma dominância quase absoluta dos block busters deve comparecer ao Ciência em Foco...
7) Como conhecer mais das suas produções? Você tem outros trabalhos a partir de leituras de filmes? Você poderia disponibilizar algum email para contato?
Os áudios das 40 aulas sobre 40 filmes distintos que eu e o Alexandre Costa demos em 2009-2010 no Teatro da Caixa Cultural (Teatro Nelson Rodrigues) encontram-se disponíveis no site www.lavoroproducoes.com.br. A partir do dia 18 de maio de 2011, começaremos no mesmo local, todos os sábados, às 10 e meia da manhã, com entrada franca, a segunda etapa do nosso projeto, agora intitulado "A história da Filosofia em mais 40 filmes". Para um contato pessoal, meu email é pessoapatrick@gmail.com
créditos ,link aqui. 

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