Todo mundo tem medo do feio”
Renata Mendes é designer e coordenadora de projetos da Associação Mundaréu.
Como a Associação Mundaréu enxerga o encontro entre design e artesanato? Até onde vai a atuação do designer? Há espaço para a criação do grupo?
O produto final é o que primeiro chama a atenção do grupo. É no momento em que se vê o produto pronto que cai a ficha: “Nossa, a gente consegue fazer uma coisa bacana!”. Apesar de ser um trabalho que não é só de design, o que é palpável é o produto. É o produto que é aceito ou não, é o produto que vende ou não, é o produto que trás o dinheiro. Então há muita expectativa em cima disso. Para que seja um resultado que possa se sustentar e se desdobrar no grupo quando o projeto acaba, a gente faz um processo bastante integrado de profissionais com o grupo. Primeiro a gente se conhece e vai conhecer o que as pessoas sabem fazer. Em seguida, junto com as pessoas, fazemos um trabalho de olhar o lugar que elas estão. É daí que vão sair inspirações para que os produtos sejam originais, para que os produtos falem por eles mesmos. Depois disso, a gente junta as duas coisas – o que a gente olhou e as técnicas que haviam naquele lugar – e faz um laboratório de experimentação. Muitas vezes, esse não é um passo agradável, não é um passo fácil, porque todo mundo tem medo do feio. As pessoas normalmente vão pelo caminho em que elas estão seguras do resultado que vai dar. É por isso que as revistas de artesanato dão tão certo: elas mostram o resultado a que se vai chegar. Elas seguem e chegam. Desconstruir esse caminho para incentivar a criação, uma criação que envolve experimentação para poder descobrir novos efeitos, nem sempre é bem aceito. Mas as pessoas experimentam e descobrem coisas, o que é muito legal, porque elas se envolvem, se sentem capazes e animadas com essa ousadia. Pelo material, pelas referências de cores e de imagens e pela vivência que a gente tem no mercado têm-se os elementos para construir o produto. O produto final não é apenas uma sugestão do designer, ele é conseqüência do trabalho. Ele está super integrado com o que o artesão descobriu e com a sua experiência. É uma parceria mesmo.
A Mundaréu trabalha no âmbito do comércio justo. O que é comércio justo? O que significa pagar um preço justo por um produto artesanal?
Atualmente os princípios do comércio justo são: contratos de longa duração, apoio para aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades, ausência de trabalho escravo e infantil, ambiente de trabalho cooperativo, igualdade entre homens e mulheres, estímulo a práticas ambientais sustentáveis, remuneração justa ao produtor, com preço justo para o consumidor. Como garantir esses princípios? Uma das formas é fazer com que o artesão aprenda a calcular custos – contando tempo de mão-de-obra, gastos com material – e a formar preço. Logo, ele tem esclarecimento para decidir se pode dar desconto ou não, por exemplo. Trata-se de fazer com que ele tenha poder de negociação, porque se o artesão faz um determinado objeto, chuta que ele vale dez e o comprador vem e fala “Eu te pago cinco”, ele não sabe se está sendo explorado ou não, pois não tem argumentos para justificar o preço. De repente, ele acha que cinco está bom, mas se colocar na ponta do lápis – o que não é uma coisa simples – vai perceber que custou sete para fazer. Como você instrumentaliza, esclarece e informa? Fazemos um trabalho de educação para que as pessoas possam estar preparadas para essas relações. Pessoalmente, acho que o comércio justo não é uma maneira de “proteger” o artesão no sentido paternalista da palavra, porque isso não leva longe. O comércio justo é bom para nortear novas relações de produção e de comércio, não para colocar o produtor numa redoma.
À primeira vista, os princípios do comércio justo parecem encarecer os objetos. No entanto, comparando-se com lojas não certificadas, os preços dos produtos vendidos pela Associação Mundaréu são bastante convidativos. Como isso é possível?
A gente não faz mágica: a diferença é que nossa atividade não gera lucro. Procuramos adequar o preço final do produto de maneira a fazer com que as peças tenham saída, porque a gente quer ter um canal de comercialização que venda e traga retorno aos grupos. A gente se baseia em parâmetros de mercado. Na nossa concepção, fazer um produto que encha de orgulho, mas que fique na prateleira, não traz resultados para o que a gente se propõe a fazer. Não é um trabalho apenas para aumentar a auto-estima. Isso é uma conseqüência. Mas o que está movendo tudo isso é a formação de um negócio, é um empreendimento feito por um coletivo. Não se pode deixar de olhar o mercado, porque isso não está num mundo paralelo, está inserido aqui dentro, dentro do sistema capitalista, dentro de uma série de concorrentes, dentro de clientes que vão dizer: “Olha, eu pago tanto, eu não pago tanto”. É assim. Trata-se de pensar como preparar melhor o grupo para funcionar dentro disso.
O que poderia ser destacado como principal dificuldade do trabalho da Mundaréu?
Há duas dificuldades um pouco amarradas. Primeiro, a comercialização – principalmente este pontapé inicial, de começar a comercializar e ter a manutenção desse retorno. É uma dificuldade porque isso tem altos e baixos, tem sazonalidade, e o grupo muitas vezes tem necessidades e desejos imediatos, e não tem a vivência e o hábito de planejar, de investir para o futuro, logo desiste. E aí já estamos falando da segunda dificuldade, que é desenvolver o espírito empreendedor, a dificuldade de formar empreendimentos que se formalizem. A gente sempre procura vivenciar o empreendimento para depois formalizar com a cara que ele tiver, porque a gente sabe que tem inúmeras pedras no caminho, e não adianta eu criar uma cooperativa para depois saber como funciona uma cooperativa.
Leia entrevista na íntegra
Como a Associação Mundaréu enxerga o encontro entre design e artesanato? Até onde vai a atuação do designer? Há espaço para a criação do grupo? O produto final é o que primeiro chama a atenção do grupo. É no momento em que se vê o produto pronto que cai a ficha: “Nossa, a gente consegue fazer uma coisa bacana!”. Apesar de ser um trabalho que não é só de design, o que é palpável é o produto. É o produto que é aceito ou não, é o produto que vende ou não, é o produto que trás o dinheiro. Então há muita expectativa em cima disso. Para que seja um resultado que possa se sustentar e se desdobrar no grupo quando o projeto acaba, a gente faz um processo bastante integrado de profissionais com o grupo. Primeiro a gente se conhece e vai conhecer o que as pessoas sabem fazer. Em seguida, junto com as pessoas, fazemos um trabalho de olhar o lugar que elas estão. É daí que vão sair inspirações para que os produtos sejam originais, para que os produtos falem por eles mesmos. Depois disso, a gente junta as duas coisas – o que a gente olhou e as técnicas que haviam naquele lugar – e faz um laboratório de experimentação. Muitas vezes, esse não é um passo agradável, não é um passo fácil, porque todo mundo tem medo do feio. As pessoas normalmente vão pelo caminho em que elas estão seguras do resultado que vai dar. É por isso que as revistas de artesanato dão tão certo: elas mostram o resultado a que se vai chegar. Elas seguem e chegam. Desconstruir esse caminho para incentivar a criação, uma criação que envolve experimentação para poder descobrir novos efeitos, nem sempre é bem aceito. Mas as pessoas experimentam e descobrem coisas, o que é muito legal, porque elas se envolvem, se sentem capazes e animadas com essa ousadia. Pelo material, pelas referências de cores e de imagens e pela vivência que a gente tem no mercado têm-se os elementos para construir o produto. O produto final não é apenas uma sugestão do designer, ele é conseqüência do trabalho. Ele está super integrado com o que o artesão descobriu e com a sua experiência. É uma parceria mesmo.
A Mundaréu trabalha no âmbito do comércio justo. O que é comércio justo? O que significa pagar um preço justo por um produto artesanal?
Atualmente os princípios do comércio justo são: contratos de longa duração, apoio para aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades, ausência de trabalho escravo e infantil, ambiente de trabalho cooperativo, igualdade entre homens e mulheres, estímulo a práticas ambientais sustentáveis, remuneração justa ao produtor, com preço justo para o consumidor. Como garantir esses princípios? Uma das formas é fazer com que o artesão aprenda a calcular custos – contando tempo de mão-de-obra, gastos com material – e a formar preço. Logo, ele tem esclarecimento para decidir se pode dar desconto ou não, por exemplo. Trata-se de fazer com que ele tenha poder de negociação, porque se o artesão faz um determinado objeto, chuta que ele vale dez e o comprador vem e fala “Eu te pago cinco”, ele não sabe se está sendo explorado ou não, pois não tem argumentos para justificar o preço. De repente, ele acha que cinco está bom, mas se colocar na ponta do lápis – o que não é uma coisa simples – vai perceber que custou sete para fazer. Como você instrumentaliza, esclarece e informa? Fazemos um trabalho de educação para que as pessoas possam estar preparadas para essas relações. Pessoalmente, acho que o comércio justo não é uma maneira de “proteger” o artesão no sentido paternalista da palavra, porque isso não leva longe. O comércio justo é bom para nortear novas relações de produção e de comércio, não para colocar o produtor numa redoma.
À primeira vista, os princípios do comércio justo parecem encarecer os objetos. No entanto, comparando-se com lojas não certificadas, os preços dos produtos vendidos pela Associação Mundaréu são bastante convidativos. Como isso é possível?
A gente não faz mágica: a diferença é que nossa atividade não gera lucro. Procuramos adequar o preço final do produto de maneira a fazer com que as peças tenham saída, porque a gente quer ter um canal de comercialização que venda e traga retorno aos grupos. A gente se baseia em parâmetros de mercado. Na nossa concepção, fazer um produto que encha de orgulho, mas que fique na prateleira, não traz resultados para o que a gente se propõe a fazer. Não é um trabalho apenas para aumentar a auto-estima. Isso é uma conseqüência. Mas o que está movendo tudo isso é a formação de um negócio, é um empreendimento feito por um coletivo. Não se pode deixar de olhar o mercado, porque isso não está num mundo paralelo, está inserido aqui dentro, dentro do sistema capitalista, dentro de uma série de concorrentes, dentro de clientes que vão dizer: “Olha, eu pago tanto, eu não pago tanto”. É assim. Trata-se de pensar como preparar melhor o grupo para funcionar dentro disso.
O que poderia ser destacado como principal dificuldade do trabalho da Mundaréu?
Há duas dificuldades um pouco amarradas. Primeiro, a comercialização – principalmente este pontapé inicial, de começar a comercializar e ter a manutenção desse retorno. É uma dificuldade porque isso tem altos e baixos, tem sazonalidade, e o grupo muitas vezes tem necessidades e desejos imediatos, e não tem a vivência e o hábito de planejar, de investir para o futuro, logo desiste. E aí já estamos falando da segunda dificuldade, que é desenvolver o espírito empreendedor, a dificuldade de formar empreendimentos que se formalizem. A gente sempre procura vivenciar o empreendimento para depois formalizar com a cara que ele tiver, porque a gente sabe que tem inúmeras pedras no caminho, e não adianta eu criar uma cooperativa para depois saber como funciona uma cooperativa.
Leia entrevista na íntegra
Nenhum comentário:
Postar um comentário